sábado, 2 de agosto de 2008

Olhos Abertos

O sono gotejava. Gotas… O som doloroso do tempo que não pára… Cada gota um amontoado de moléculas de água. Cada gota um grão de areia: um segundo. A ampulheta de goteira… E o chão parecer gostar de engolir às goladas aquelas gotas geladas…. Gotejava.

O sono. A noite aos poucos. Os olhos abertos, a mente aberta, os lábios fechados, o sentidos abertos… Tato, olfato, audição e visão. Que sabor? Nenhum. O tempo tem gosto de água de casa de mãe.

O sono. A mãe morrendo dele e o filho não a deixa dormir. A mãe morrendo dele e o filho que nascerá sem pai. A mãe do lado do filho na maca, que já está dormindo de tanto sono. A mãe que não é mais mãe e a lembrança do filho que não pôde ver crescer. A mãe que nunca foi mãe, imaginando o filho que não conseguiu ter. A mãe que verifica se o travesseiro de seu filho está fofo para que ele durma.

O sono. O travesseiro fofo. Incomoda de tão fofo. A mulher muda de posição. O pai também: resolve tentar entender a decisão da filha. E a prostituta, para satisfazer seu cliente (está longe de dormir).

O sono. Mas ninguém dorme mais. Ninguém pode. A vida não dá sossego. Há sempre um bicho-papão no armário, há sempre um amor não resolvido, há sempre uma conta para pagar, há sempre o medo do sono não acabar-se mais… Há sempre alguém lá fora na sarjeta, sem armário, sem amor, sem conta, sem medo, mas esse não dorme por causa do frio…

O sono. O travesseiro fofo. A cama quentinha, o aquecedor, o edredom… Nada esquenta um coração gélido. Ele também não consegue dormir. Afinal, ninguém disse “boa noite”. Ninguém lhe deu os parabéns. Ninguém quis entendê-lo. Ninguém ouviu seus planos. Ninguém se importou. Ninguém disse que ela ia voltar. Ninguém quis ouvir seus desabafos. Ninguém lhe desejou bons sonhos. Ninguém lhe beijou a testa. Ninguém lhe cantou uma canção de ninar. Ninguém o pegou no colo. Ninguém apagou a luz. Ninguém…

O sono. Esse ninguém podia contestar…