terça-feira, 18 de maio de 2010

O Deserto Maldito

Existe uma terra perdida, no meio do nada, chamada por muitos de Deserto Maldito. Chamam-no assim porque, apesar de lá existir várias árvores e um grande lago, tudo é sempre muito solitário, como se o próprio vazio morasse ali.

É um lugar inóspito e nada convidativo. Lá é difícil de identificar o que é vivo e o que está morto. As árvores são todas peladas, exibindo seus milhares de galhos quebradiços formando figuras de desespero e horror. E, apesar da madeira ser podre e escurecida, essas árvores continuam a crescer, lançando suas raízes como tentáculos para dentro da terra de areia seca. O próprio vento, nas raras vezes que venta, é uma brisa suave, mas vem como uma baforada de uma cripta que acabou de ser aberta.

Lá, nas noites de lua cheia, o lago negro reflete o satélite natural perfeitamente, como uma fotografia ou um espelho de águas. Essas águas estão sempre calmas, porque no Deserto Maldito não existem animais, apenas alguns insetos, e raramente venta.

Por muito tempo, foi totalmente inabitado por humanos. Entretanto, hoje em dia, dentre a névoa da manhã, um vulto se esgueira por aquelas terras. É uma figura humana, apesar de haver pouco de humano em sua postura.

Apesar de ninguém saber ao certo quem é ou de onde veio, existe uma lenda que é bastante aceita entre os viajantes que passam pelo Deserto Maldito. Diz-se que há muitas décadas atrás, quando um povo nômade viajava para o norte, devido a fortes tempestades, um garoto foi abandonado enquanto passavam pelo Deserto. Ele era fraco demais para continuar e a tradição ditava que os mais fracos não podiam atrapalhar os mais fortes.

O garoto sentia fome e frio e reclamava, pois tinha medo das árvores. Estava tão cansado que desmaiou e quando acordou, estava sozinho. Não morreu, porém. Viveu do próprio deserto, bebendo da água negra do lago e comendo de raízes e de cogumelos.

Com o tempo, acostumou-se com o Deserto Maldito, se tornando parte dele. Descobriu que lá é impossível sonhar. Isso era ótimo, pois ele sempre tinha pesadelos e era bastante medroso por causa deles. Aliás, boa parte de sua imaginação morreu. Parecia que o vazio ia penetrando sua mente e ele gostava. Sua tristeza, seu medo, sua raiva, sua insegurança iam morrendo lentamente.

No começo, quis fugir daquela solidão e tentou sair de lá várias vezes. Mas o deserto o enganava com névoas e tempestades de areia, fazendo com que voltasse sempre. Não queria que seu único companheiro lhe fugisse.

Então ele tentou se matar. Será que um anjo viria buscá-lo se morresse? Ou até mesmo a companhia de um demônio seria agradável naqueles tempos… Ingeriu uma boa quantidade de cogumelos venenosos. Passou mal por semanas. Mas não morreu. Depois, pensando melhor, decidiu que continuaria vivendo. Afinal, quem garante que o inferno ou o céu sejam lugares solitários também? O paraíso deve ser pouco habitado. E o inferno… Bem, para ele não havia maior inferno que a solidão eterna…

Quando o vazio dentro de si se tornava interminável, ele sempre recorria às árvores. Falava com elas por horas, mas elas o olhavam de cima a baixo e ignoravam. Delas só recebia a frieza da não-vida. Para elas, é como se nada existisse. Elas são egoístas, isso sim, estão sempre ocupadas demais crescendo e sendo sombrias.

Então, desesperado, ele corria até o lago negro e começava a chorar. Pedia por socorro. E nesses momentos, ele encontrava. No lago havia um rosto barbudo, sujo e feio que o olhava tristemente, pedindo por atenção. O homem solitário então sorria e tentava conversar com o reflexo, usando as poucas palavras que ainda lembrava e os novos grunhidos que era sua nova comunicação.

Durante anos ele tentou alimentar algumas esperanças. Em seu sonho mais íntimo, sua mãe voltava para buscá-lo. Dava-lhe um beijo de boa noite e apagava a luz da vida e tudo escurecia e ele elevava. Escutava trombetas divinas e Deus anunciava que ele era o mais novo recepcionista do céu. Imagine só, ver todas aquelas pessoas chegando o tempo todo!

Mas o Deserto Maldito também tirou aquilo dele. Não doeu, entretanto. Estava vão vazio por dentro que já não sentia as crueldades do destino. Nem pensava. Pensar exigia palavras e agora já não conhecia mais nenhuma.

Já fazia 200 anos que vivia ali. Ou talvez estivesse morto e havia esquecido de se deitar, como as árvores. De uma forma ou de outra, o Deserto Maldito lhe deu aquele século de vida extra.

Agora era uma criatura. Andava de 4, tinha pelos grisalhos que lhe cobriam todo o corpo e todo o rosto. Corria de um lado pra outro, deitava na areia e fechava os olhos. Não sabia fazer muita coisa além disso. E era gigantesco, nunca em sua vida aprendera a parar de crescer.

Um dia, uma caravana de mercadores passara por ali. A criatura partiu para cima deles. Enfim, companhia! Mas tão logo ela se aproximou, foi morta com uma lança no peito. Não sangrou, nem agonizou. Queria dizer alguma coisa em agradecimento, mas apenas grunhiu. Fechou seus olhos e adormeceu com um sorriso no rosto. Finalmente vieram apagar lhe a luz…

Depois do ocorrido, houve uma imensa tempestade. As nuvens cobriam-se de negro: o Deserto Maldito estava de luto. E, não aguentando a tristeza da perda, se suicidou…

Hoje é apenas um deserto.